A iniciativa cultural que chegou à orla da universidade trouxe à tona uma convergência entre arte audiovisual e espaço público, em que espectadores puderam vivenciar uma projeção ao ar livre em um contexto singular. A proposta privilegia um ambiente em diálogo com a paisagem aquática e a universidade como palco, ressaltando a conexão entre território, comunidade e produção cultural. O envolvimento da equipe da obra elevou a experiência para além de uma sessão comum, integrando conversas, reflexões e a própria presença dos produtores no local. Esse cenário promoveu uma interação mais ampla entre público, criadores e espaço urbano, reforçando o papel da cultura como vetor de encontro coletivo. Mais do que exibição, o momento se tornou um exercício de compartilhamento de visões e sentidos, em que cada pessoa presente pôde se colocar num lugar de observador e participante. Essa proposta retoma a ideia de que a arte se desloca para o público e se mistura com o cotidiano – e não apenas aguarda por ele.
A ambientação ao lado de águas calmas e no campus também permitiu que a renderização fílmica fosse recebida num ritmo diferente, marcado pelas luzes que atravessam o reflexo e pelas margens que escutam o som vindo de fora da sala tradicional. Isso instigou uma percepção ampliada do audiovisual e uma suspensão da rotina, pois o espectador se viu inserido numa cena que extrapola a tela. A integração entre o barco-obra e o local de ancoragem trouxe um elemento de deslocamento simbólico importante: o aparato que transporta o conteúdo se torna parte da narrativa. Essa mobilidade sugerida amplia o horizonte de como a arte pode circular e ser acessível. Nesse sentido, a experiência não ficou restrita à sala escura e à plateia tradicional, mas convergiu com o ambiente urbano e natural ao redor. A junção de técnica, locação e arte propôs uma imersão que provoca olhar e escuta de modo sensível.
A construção curatorial e técnica da iniciativa revela ainda o cuidado com a comissão de equipe e com a escolha do local, de modo que o evento se conecta com a geografia da Amazônia e suas muitas águas. A abordagem valoriza o contexto local, considerando a presença dos corpos, das memórias e dos fluxos que compõem a paisagem amazônica. Não se trata somente de transportar a obra para um novo espaço, mas de fazer com que o espaço participe da obra. Isso implica reconhecer territórios, habitantes, histórias que fluem e se renovam. A escolha de apresentar a peça cinematográfica junto ao rio e sob céu aberto traz outra camada de contemplação e ressignificação. O público, então, torna-se parte dessa composição sensorial e simbólica, movendo-se entre ver e ser visto, entre observar e fazer parte.
Ainda, a programação foi pensada com abertura para o diálogo entre quem realiza e quem assiste, conferindo à sessão um caráter híbrido: entre obra, conversa e convivência sociocultural. A presença dos realizadores permitiu que fossem compartilhadas perguntas e impressões logo após a projeção, valorizando a construção coletiva do sentido. Esse tipo de encontro revitaliza o conceito de cinema comunitário e reforça laços entre criadores, espectadores e ambiente. Além disso, a itinerância da montagem contribui para que locais muitas vezes marginalizados ou pouco utilizados ganhem nova vida como palco de cultura. A iniciativa representa uma força renovadora que une produção, território e participação, abraçando múltiplas formas de vínculo. Dessa forma, o direito ao espaço e à visibilidade se articula com a cidadania e o pertencimento.
Por sua vez, o impacto sobre a comunidade acadêmica e local foi significativo: estudantes, moradores da orla e visitantes tiveram a chance de experimentar uma projeção que rompe com o habitual e inaugura novos modos de ocupação. Essa ação estimula a curiosidade, convida à reflexão e promove o encontro entre diferentes gerações. Na prática, observa-se que o espaço universitário ou peri-urbano pode se transformar em lugar de festa cultural, de reflexão estética e de troca de ideias. A estratégia de usar ambientes públicos reforça a ideia de que arte e educação caminham juntas, e que acesso não deve se limitar ao interior de instituições fechadas. Ao democratizar o acesso à produção audiovisual, a iniciativa permite que olhares diversos participem da trama e contribuam com suas percepções. Essa abertura para o público amplia horizontes e torna a experiência mais vibrante e conectada com a realidade.
Outra dimensão relevante é a relação entre tecnologia, corpo e ambiente. A forma de projeção em barco-obra, no encontro entre água, luz e imagem, cria uma metafórica ponte entre passado e futuro, tradição e experimentação. A ambientação à beira-rio adiciona ruídos, respirações da natureza e o deslocamento dos participantes gera uma sensação de pertencimento e mobilidade. O aparato técnico deixa de ser invisível, pois o contexto exige uma adaptação à singularidade do local, o que traz um caráter de resistência frente a formas convencionais de exibição. A iniciativa desafia o espectador a sentir mais do que ver, a escutar mais do que apenas assistir e a se movimentar em torno da imagem projetada. Assim, a proposta acolhe tanto o instante efêmero quanto o impacto duradouro da memória coletiva.
Num plano mais amplo, o evento reafirma o valor da arte como meio de conexão entre povos, histórias, territórios e linguagens. Ele estabelece uma ponte entre o urbano e o natural, o acadêmico e o popular, e coloca o audiovisual como catalisador de conversas mais amplas sobre identidade, pertencimento e tempo. O movimento expande o escopo do que se considera “local” e convida à reflexão sobre regionalidade, resistência e inovação. Ao agir nesse cruzamento, a iniciativa evidencia que produção artística pode ser agente de transformação social e cultural. O encontro entre criadores, público e ambiente rio-urbano revela que a arte não apenas espelha a vida, mas a reconfigura, trazendo visibilidade a espaços e vozes que nem sempre compõem o centro das atenções.
Para que esse tipo de proposta continue a ganhar força, é importante que se mantenha o diálogo entre gestores culturais, moradores, instituições de ensino e criadores. A sustentabilidade dessas ações depende de investimento na infraestrutura, convênios, mobilização comunitária e visibilidade pública. Além disso, pensar a continuidade favorece a consolidação de itinerâncias, colaborações e memórias que se acumulam além da exibição. A articulação entre políticas culturais, educação e meio ambiente pode então se fortalecer. Em última instância, as práticas que aproximam arte e território derrubam hierarquias, estimulam o protagonismo local e ampliam os horizontes do que se entende por cultura pública. O caminho está aberto para múltiplas derivações criativas e para que esse tipo de encontro se torne rotina em diferentes realidades.
Autor: Sokolov Harris
